quarta-feira, abril 16, 2008

És agora apenas uma fotografia ao lado da minha insónia. Uma memória que me fala sobretudo, como todas as memórias, daquilo que não existiu. Nessa fotografia te esqueço. Meticulosamente, de cada vez que me esforço por reter-te e começo a inventar-te. Tudo em ti tem asas, agora - o teu riso, os teus passos. Até nas poucas frases que de ti recordo há um restolhar de penas. E deslizo para esta solidão de não poder voltar a ser sozinho, como era quando tu existias, nesta mesma cidade, e eu já nem sequer pensava em ti.

«Queria ver-lhe os olhos verdadeiros e a boca e a face, mas não estavam lá. Porque eram só uma aparição difusa incontornável como a luz do ar que não se via e era só iluminação». A tua voz sobre estas palavras. Que livro lias?

Tinhas o hábito de disparar em voz alta as frases que mais te deslumbravam, sem respeito pelo silêncio no qual os outros liam coisas. E eu engatilhava o melhor dos meus sorrisos amarelos, dizia «É bonito, muito bonito». E então tu entusiasmavas-te e metralhavas um capítulo inteiro. O que era muito irritante, no momento - eu estava a ler outra coisa. Mas depois, quando já te tinhas ido embora, eu lembrava-me das tuas leituras bruscas, da rouca solenidade da tua voz, e sorria, embasbacado, para essa brusca memória tão meiga de ti.




in "Fazes-me Falta", de Inês Pedrosa


Torno-me muito repetitiva se voltar a dizer que gosto bastante deste livro?

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